domingo, 5 de fevereiro de 2012

Sete anos

Aí ele surge no msn (sim, algumas pessoas ainda usam msn) e diz que lá atrás, há sete anos, quando a vida girava em torno da Osvaldo Aranha, aquela atmosfera universitária, vocês deveriam ter “juntado os trapos”. Foi exatamente essa a expressão que ele escolheu: “juntar os trapos”. Aos 21 anos, morando sozinha pela primeira vez, era bem possível que esse fosse um pensamento distante. E era. Mas aquele cara que usava chapéu panamá e havaianas de cores diferentes, citava clássicos da sociologia com muita ou pouca propriedade, dividia apartamento com gente descolada e fumava palheiro, era a personificação de uma vida pouco convencional e livremente feliz. Entre copos de cerveja e música boa madrugada adentro, tardes de chimarrão no parque e discussões ideológicas que não precisavam chegar ao fim, ele se mostrava inteiro e se escondia em seguida. Pregava tanto a liberdade que não conseguiria suportar o peso de uma companhia. Aos 21 anos, ela não queria subir ao altar, mas sonhava viajar com ele pela América Latina, quem sabe Machu Picchu. Ele já tinha ido aos Estados Unidos por terra e contava detalhes da empreitada com gestos amplos, vibração, verdade nos olhos.

Ela não queria muito. Ele não queria nada. Tanto que um dia foi comprar cigarros e não voltou.

Aí surge no msn, sete anos depois, falando em “juntar os trapos”.

Pois é.

O mundo é feito de homens arrependidos.

quarta-feira, 2 de novembro de 2011

Brasília, 2008


O Hotel das Nações, onde fiquei hospedada num feriado de Páscoa, lá em 2008 - quando sequer imaginava que 14 meses depois estaria morando em Brasília -, virou pó hoje. Lembro que os empregados que lá trabalhavam usavam uniformes que pareciam ter sido confeccionados no ano da fundação da cidade. No térreo, havia um freezer com carnes exóticas (!). Os móveis do quarto, embora bem conservados, também pareciam ser do tempo de Juscelino Kubitschek. Inaugurado em 1965, o hotel foi ao chão nesta manhã, com o uso de explosivos, em apenas 10 segundos. É um pedacinho da minha história que deixa de ter referências concretas e passa a existir apenas na memória. Culpa da Copa do Mundo.

sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Eu te ligo

Ele despertou às 7h da manhã de domingo e disse que precisava ir embora.
Juntou as roupas caídas pelo quarto de forma apressada. Vestiu-se.
Levou as taças para a cozinha. Colocou a garrafa de vinho na geladeira. Viu a louça da janta na pia. Virou as costas.
Jogou uma água no rosto. Queria escovar os dentes, mas ali não tinha escova própria.
Voltou ao quarto para despedir-se.
Disse que precisava ir pra casa. E rápido. E que talvez eles não voltassem a se ver tão cedo. É que a mulher chegaria de viagem em poucas horas. Mas essa informação ele omitiu.
“Tenho que ir.
Adorei tudo.
Dorme mais um pouco.
Vou nessa.
Eu te ligo.”
Não ligou. Claro. E para ela o domingo chegou ao fim com uma certeza: ele podia ter lavado a louça.

sábado, 7 de maio de 2011

O retorno ao Pampa é sempre um retorno ao eixo

Aos 20 anos fui morar na capital, num apartamento micro dividido com a irmã. A vida não tinha luxos, mas a efervescência etílico-cultural estava logo ali, ao alcance das pernas e do bolso. Bastava uma caminhada rápida pelo Bom Fim ou em direção à Cidade Baixa e bebia-se com estudantes de jornalismo em bares descolados, ao lado de artistas, cineastas, músicos, professores universitários e pseudo-críticos de qualquer coisa. Gastava-se poucos cruzados.
Entre matérias para a revista da faculdade, o estágio, discussões existenciais com as amigas e bebedeiras sem fim, vivia eu. Até me dar conta de que a vida não era exatamente aquele microcosmo meio boêmio, meio intelectual, meio de esquerda. E o que ajudou a cair a ficha foi, veja você, a Expresso Rio Guaíba – que detém o monopólio dos transportes no trecho Guaíba-Porto Alegre.
Domingo sim, domingo não, eu acordava – com muito custo – por volta das 9h para conseguir chegar a tempo de almoçar na casa da mãe. Caminhava cerca de 20 minutos até o corredor de ônibus na avenida Farrapos, o horário de saída do busão do Centro devidamente calculado. Ali, na parada, a espera do ônibus, no antro da chinelagem, as coisas voltavam a fazer sentido. E faziam mais ainda ao longo dos 30 e pouco quilômetros de chacoalhação que se seguiam, dentro do Guaibão, certas vezes lotado. O percurso me lembrava que a vida – não exatamente a minha, ah, mas, convenhamos, a minha também – é difícil. O dinheiro nem sempre não é suficiente para pagar a passagem. Comprar um sorvete de R$ 1,50 no caminho faz, sim, diferença. E as roupas da moda... ah, esquece essa parte. Eu não era o ser mas paupérrimo do mundo, mas não sabia exatamente o que era filé mignon, assim como os passageiros ao redor. Saca? A Expresso Rio Guaíba, quem diria, me proporcionou reflexões. Reflexões relevantes.
Agora que vivo no Planalto Central, é o retorno ao Rio Grande que me faz, algumas vezes por ano, parar para pensar na dinâmica das desigualdades - não necessariamente as que dizem respeito ao bolso. No extremo Sul, as pessoas terminam casamentos de 20 anos, têm filhos não-planejados, trancam a faculdade porque a mensalidade chegou às alturas, tratam doenças repentinas e também as crônicas, fazem a prova do mestrado. As pessoas têm quatro gripes ao ano ou mais. Espirram durante o inverno. Descobrem um novo amor no verão. Testam uma receita de risoto no sábado à noite, cozinham pinhão. Escolhem vinho demoradamente no supermercado. Enfrentam a Freeway sem medo na véspera do feriadão. Homens ligam no dia seguinte. Mulheres nascem sabendo fazer pudim. Boa parte tem sede de cultura. Aí eu pergunto: tem contexto mais incrível para se viver de acordo com a realidade dos fatos?
Não. Não tem. Em Brasília, é tudo às avessas. Tudo fast food. Almoço de domingo no restaurante. Sorrisos cênicos no fim de semana, à beira do Lago. Relacionamentos por interesse, puro interesse, descarado interesse. Mesmo se remoendo por dentro, mesmo querendo estar em outro lugar do globo, mesmo desabando em silêncio, finge-se. Afinal, vive-se na Disney, o maior PIB per capta do país, sem pobreza, sem inverno, sem assaltos, sem transporte público. Sem homeless. Que contradição.

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Se antes era no Guaibão que eu acompanhava frente aos olhos as dificuldades do dia-a-dia - as minhas e as realmente graves -, agora é em cada retorno ao Sul do país que eu lembro como a vida realmente é. Em Porto Alegre, é permitido desmoronar, começar de novo, reinventar-se profissionalmente, emocionalmente, afetivamente. A vida segue, com dramas e pequenas alegrias, falta de grana, reviravoltas. Difícil, simples, engraçada, frustrante, sofrida e surpreendente. Fácil, é para bem poucos, uma elite escolhida ao acaso. Os passageiros do pinga-pinga sabem bem.

segunda-feira, 7 de março de 2011

De cortar o coração

Os quilômetros arrastados que separam o início e o fim da Asa Norte foram percorridos mais uma vez de forma automática, velocidade acima do permitido, pneus quase carecas deslizando no asfalto. O som do carro naquele volume exagerado e algum expoente da MPB a musicar a pequena atmosfera. Caía uma chuvinha fina sob a lataria, encharcando o adesivo colado na traseira, que leva as cores da bandeira do Rio Grande do Sul. Pingos desordenados que tornavam o percurso cercado por árvores mais leve, mais bucólico, mais meu. Sozinha, no escuro da noite, a poucos metros de casa, tive certeza de que não queria me separar dele de forma tão brusca, logo ali, na próxima esquina da vida. Subi as escadas, evitando a rapidez do elevador, que pouco nos ajuda a digerir as dores. Coloquei a chave na porta e, sem forças, caí no choro. É que vender o primeiro carro, mesmo que seja para melhorar de vida, pode cortar o coração.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Você percebe que está velha quando...

O meu sobrinho tem 13 anos e vai andar de avião pela primeira vez daqui a dez dias, graças a uma promoção-relâmpago da GOL. Virá a Brasília para ver a titia, o Congresso Nacional, a casa da Dilma e o Lago Paranoá. Pode parecer besta, mas a proximidade da viagem está me mostrando que... ele cresceu. E eu não me preparei psicologicamente para ser tia de adolescente, Jesus!

Débora diz:
temos que pensar na ordem dos passeios
[c=1][b]' Marcos Schulz[/b][/c] •$0 diz:
tenho que levar
roupas
dinheiro
alskmalsdmk
Débora diz:
identidade
[c=1][b]' Marcos Schulz[/b][/c] •$0 diz:
cpf
Débora diz:
aliás
que eu saiba, tu não precisa de autorização dos pais para viajar
porque tu tem mais de 12 anos
[c=1][b]' Marcos Schulz[/b][/c] •$0 diz:
hmm
temos que ver isso
Débora diz:
sim
de repente pesquisa no site da gol
mas um colega que tem filhas da tua idade me disse que não precisa...
é bom conferir
[c=1][b]' Marcos Schulz[/b][/c] •$0 diz:
aham
filhas da minha idade ?
AOSIJDAOISJD
Débora diz:
HAHAHAHAHAHAHA
menos, hein!!!!
[c=1][b]' Marcos Schulz[/b][/c] •$0 diz:
ué ué
OASIJDAIOSJDOASIDJAOSIDJ

domingo, 6 de fevereiro de 2011

A louca do domingo

Então a gente se rende à bobagem de discutir por causa das redes sociais. Como jurou para si que não faria jamais.
E chega ao ponto de ter ciúmes de primas. E de colegas de trabalho. Como garantiu às amigas que jamais faria.
Nos vemos buscando só uma informaçãozinha a mais sobre o passado dele. Sobre a primeira paixão, alguma viagem inesquecível, aquela história arrebatadora de verão. Mas, CLARO, é bem mais indicado não perguntar. E não perguntamos.
Dá vontade de abrir o jogo e proibi-lo (como se isso fosse possível) de ir sozinho àquele show de rock. Dá vontade de rodar a baiana. Mas, CLARO, é bem mais indicado dizer “não me importo, amor, aproveita, bom show”.
Entre a loucura e o politicamente correto oscilamos nós, as ditas mulheres descoladas, bacanas, bem resolvidas. Mas a verdade é que, quando a noite acaba, a cabeça no travesseiro sabe bem que há tempos o manual prático de sobrevivência da mulher moderna foi rasgado. E os pedacinhos de papel, colocados no lixo.
No dia seguinte, a segunda-feira, acordaremos de novo descoladas, bacanas, bem resolvidas. Ao menos para o público que assiste.