terça-feira, 18 de maio de 2010

Tudo coisa que tu já sabe

Sabe aquele restaurante perto do Lago que a gente ia sempre? Fechou.
Sabe aquele lenço charmoso que tu me deu de presente porque achou a minha cara? Uso sempre. Acho até que já gastou.
Sabe aquele meu projeto de aprender italiano? Não toquei.
Sabe aqueles arranhões que tinha na porta do carro? Mandei polir e agora parece novo.
Sabe a minha renite sem solução? Não existe mais.
Sabe aquele rabo-quente xumbrega que eu usava para esquentar a água do chimarrão? Joguei fora porque ganhei uma jarra elétrica.
Sabe aquele livro do Gay Talese que comprei na promoção? Ainda não li.
Sabe aquele caminho pelo qual eu não me arriscava dirigir? Agora o percorro para chegar ao trabalho.
Sabe aquela tua foto que eu guardava na gaveta? Tá lá. Ainda. É.

quarta-feira, 5 de maio de 2010

terça-feira, 4 de maio de 2010

Roteiro requentado


Ele vai falar que há tempos não sentia algo assim e que gosta do teu jeito de enganar a timidez mexendo no cabelo. Vai dizer que andava procurando uma pessoa como você. Que tá difícil encontrar mulheres interessantes por aí, que teve sorte desta vez. Vai te apresentar para os amigos num churrasco de domingo, dando a entender que esta será a primeira confraternização de muitas. Batalhará pela integração de todos, pela formação de um grupo de amigos em comum.
Ele vai cozinhar pra ti. Vai escolher um prato refinado, mas nem tanto, porque a simplicidade é a alma do negócio. E vai impressionar pela combinação perfeita dos ingredientes, dos temperos. Pela desenvoltura na cozinha. Pelo sabor final. Vai te oferecer cerveja extra ou vinho chileno. Depois vai te chamar a conhecer os lençóis bem passados daquela cama que outra já ocupou. Vai lembrar dela. Vai esquecê-la em seguida.
No fim de semana ele vai te levar ao cinema e depois a um passeio no parque, com direito a pipoca salgada comprada da carrocinha e brigadeiro naquele café charmoso, como tantas vezes fez com ela. Vai demonstrar interesse em conhecer a tua história de vida, conversando sem pressa. Vai contar episódios da infância no interior com verdade nos olhos, das férias no litoral, das viagens pela Europa na adolescência e pela América Latina nos tempos da faculdade. De como virou um cara independente e de opiniões próprias. Vai te mostrar o quanto estudou, o quanto leu. Ele vai te chamar para viajar no feriado. Vai colocar fogo na lareira e Chico Buarque no dvd. Vai lembrar dela. Vai esquecê-la em seguida.
No Dia dos Namorados ele vai te surpreender com flores amarelas em vez das vermelhas, com um cd do Milton Nascimento, com uma visita inesperada no meio do expediente. Na semana seguinte vai te apresentar à família, num jantar descontraído. Atitude que mostra boas intenções. Foi assim com ela. Vai ser assim contigo.
E quando chegar a época de programar as férias, ele vai propor um tour pelo Leste Europeu. Vai resgatar aquele guia de viagens que ganhou de presente dela no dia do aniversário. Vai fingir que ele mesmo comprou o livro, numa promoção da Saraiva. Vai te fazer sonhar com a viagem, com ele, com um apartamento de três quartos perto do parque, com filhos de olhos claros. Foi assim com ela. Vai ser assim contigo.
Ele vai te mostrar a alegria de uma vida a dois, com cafés da manhã na cama e domingos arrastados lendo o jornal juntos. Vai simular que é a primeira vez, para não admitir o óbvio: já viveu tudo isso antes, exatamente assim, com ela. Até pediu aos céus que nunca chegasse ao fim. Só que um dia acordou e a cama estava vazia.